Ari Barroso, o poeta Manuel Bandeira e João Condé |
Foi quando Condé lançou a ideia: que o Ari fizesse um samba de parceria com Manuel Bandeira. Dito isso, foi ao telefone e ligou para a casa do poeta, Bandeira ficou entusiasmado e confessa que não pode dormir.
Sentou-se à mesa de trabalho e, de manhã, já tinha escrito o poema. Ari fez a música e, posteriormente, reuniu os amigos dele e do poeta para a apresentação do samba. Foi uma boa festa: Bandeira aprovou a partitura de Ari e houve mesmo promessa de novas produções da mais recente dupla de sambistas.
Assim nasceu “Portugal meu avozinho”, com letra do grande poeta, membro da Academia Brasileira de Letras, Manuel Bandeira, e música de Ari Barroso.
Estava previsto que esse samba fosse, então, gravado por Sílvio Caldas, mas não chegou a ser editado.
Recordações de João Condé (1964)
Estávamos eu e Ary jantando num restaurante na Zona Sul. Informava-lhe da leitura feita em revista espanhola sobre o sucesso que Agustín Lara havia obtido com sua canção "Madrid".
Comentávamos o facto, quando tive a ideia que transmiti ao compositor. Por que não fazer uma canção sobre o Brasil e Portugal ? Ary gostou da sugestão e sugeri que a letra fosse de Manuel Bandeira.
Era 1,30h da manhã, mas o poeta é pernambucano e não tem banca. Liguei para ele, conversamos a respeito e Ary e Bandeira se entenderam. Bandeira não pode dormir antes de fazer os versos. Eu estava doido de sono mas sempre tive grande ternura por Portugal e todo esse sentimento me surgiu naquele instante. Alguns minutos depois a letra estava pronta.
O lançamento em pré-estreia do samba foi num sábado, comemorando o aniversário de seu filho Flávio. O título: "Portugal meu Avôzinho". Musicar a letra fora muito fácil. Bandeira, que era mestre, já fizera a letra com ritmo. "Tive de fazer uma coisa que agradasse tanto aos brasileiros como aos portugueses. Creio que consegui."
Bandeira desfazendo-se por um momento da austeridade de seu fardo académico e da sisudez de Professor Universitário, compôs um samba - evocando Portugal e traçando um quadro lírico de suas relações com o Brasil.
Manuel Bandeira na voz de Oliveira Hime (1987) com música de Moraes Moreira
O centenário de nascimento de Manuel Bandeira (1886-1968) teve duas comemorações retardadas para 1987, mas assim mesmo com a maior validade: as edições do álbum "Estrela Da Vida Inteira", de Olívia Hime e o belíssimo livro "Bandeira Da Vida Inteira" (...)
Entusiasmada com a repercussão que o seu projecto lítero-fonográfico anterior, "A Música Em Pessoa" havia alcançado, Olívia Hime esperava que a ideia de um disco com a musicalização de poemas de um dos maiores nomes de nossa literatura [brasileira], Manuel Bandeira, também tivesse boa acolhida junto a gravadora do grupo Globo. Que engano!
(...) nenhum outro poeta pós-modernismo teve mais versos musicados do que Manuel Bandeira (...) Chegou até a tentar uma parceria com Ary Barroso, para quem escreveu (1955) a letra do samba "Portugal, Meu Avozinho" - mesmo poema que, agora, o baiano Moraes Moreira deu um tratamento de funk.
"Portugal meu avozinho" em livro de Manuel Bandeira
“Portugal, meu avozinho” consta em seu último livro "Mafuá do malungo", composto por jogos onomásticos, dedicatórias rimadas, liras e sátiras políticas de circunstâncias, e que faz parte de uma fase mais madura do poeta.
Nesta obra, o poeta não se priva de utilizar formas combatidas na poesia modernista de 22, como a redondilha maior, tão tradicional da literatura portuguesa, da qual se valeu para compor a poesia em questão.
O poema realça imagens culturais e sentimentos característicos de Portugal. A começar pelo título, temos “avozinho” - repetindo-se durante todo o poema-, palavra que estabelece o grau de parentesco entre Portugal e Brasil, e o diminutivo, além de expressar afectividade e “carinho”, é maneira de falar peculiar aos portugueses.
Homenageia Portugal e ressalta o elo que há entre este e o Brasil, que herda um “gosto misturado/ De saudade e de carinho”, isto é, o carácter saudosista e sentimentalista do povo e da literatura portuguesa.
Herdeiros somos, também, da mistura de raças “De pele branca e trigueira” e de culturas “Gosto de samba e de fado”. Traçando os paralelos entre as duas culturas, proclama a união entre elas que, apesar de aparentemente separadas pelo “mar profundo”, ou ainda, pelas diferenças naturais existentes entre dois continentes tão distintos, constituem “um só mundo”.
Francisco José
O cantor português lançou um disco com o título de "Portugal meu avozinho" (um EP com 4 canções), mas sem qualquer ligação ao texto de Manuel Bandeira. O disco foi editado em Angola pela Lusolanda e incluia os temas "Deixa-me só", "Frívolo amor", "Nem quero pensar" e "Triste sina".
David Nasser (1965)
Uma noite, Miguel Torga, genial poeta português, nascido em S. Martinho de Anta, Trás-os-Montes, falou no Brasil acerca da sua terra. Escutaram-no numerosos componentes da colónia portuguesa e, também, alguns brasileiros. Entre estes últimos, David Nasser, o grande jornalista de O Cruzeiro.
David Nasser viria depois a Portugal, que percorreu de norte a sul (dessa viagem deixar-nos-ia um livrinho – “Portugal, Meu Avôzinho”). O jornalista não mais esqueceu - nem aquela memorável noite lusitana no Rio de Janeiro, com Torga, nem a sua viagem de férias.
Compôs então, na sua revista (O Cruzeiro, 3 de Outubro de 1964), um dos mais belos e sentidos hinos de amor a Portugal e, em particular, a Trás-os-Montes. Uma crónica surpreendente. Tanto mais surpreendente quanto é certo que ele não tinha ascendência portuguesa (seus pais eram naturais do Líbano).
David Nasser recebeu da Academia de Ciências de Lisboa o Prémio Camões pelo livro "Portugal, meu avozinho", publicado em 1965, uma colectânea de artigos sobre a terra de Camões publicados em O Cruzeiro e escritos durante 1964, quando David Nasser esteve em Portugal.
Sobre a premiação, o dono dos Diários Associados escreveu o artigo “Nem Camões escapou desta peste!”, no qual reafirma a ligação do jornalista com a revista que o tornou célebre.
David Nasser viria depois a Portugal, que percorreu de norte a sul (dessa viagem deixar-nos-ia um livrinho – “Portugal, Meu Avôzinho”). O jornalista não mais esqueceu - nem aquela memorável noite lusitana no Rio de Janeiro, com Torga, nem a sua viagem de férias.
Compôs então, na sua revista (O Cruzeiro, 3 de Outubro de 1964), um dos mais belos e sentidos hinos de amor a Portugal e, em particular, a Trás-os-Montes. Uma crónica surpreendente. Tanto mais surpreendente quanto é certo que ele não tinha ascendência portuguesa (seus pais eram naturais do Líbano).
David Nasser recebeu da Academia de Ciências de Lisboa o Prémio Camões pelo livro "Portugal, meu avozinho", publicado em 1965, uma colectânea de artigos sobre a terra de Camões publicados em O Cruzeiro e escritos durante 1964, quando David Nasser esteve em Portugal.
Sobre a premiação, o dono dos Diários Associados escreveu o artigo “Nem Camões escapou desta peste!”, no qual reafirma a ligação do jornalista com a revista que o tornou célebre.
Letra
Como foi que temperaste,
Portugal meu avôzinho,
Esse gosto misturado
De saudade e de carinho?
Esse gosto misturado
De pele branca e trigueira,
Gosto de África e de Europa,
Que é o da gente brasileira!
Gosto de samba e de fado,
Portugal meu avôzinho,
Ai, Portugal, que ensinaste
Ao Brasil o teu carinho
Tu de um lado e do outro Nós...
No meio o mar profundo!
Mas por mais fundo que seja
Somos os dois um só mundo!
Grande mundo de ternura
Feito de três continentes
Ai, mundo de Portugal,
Gente mãe de tantas gentes!
Ai, Portugal de Camões,
Do bom trigo e do bom vinho,
Que nos deste, ai avôzinho,
Esse gosto misturado,
Que é saudade e que é carinho.
Fontes/Mais informações: AryBarroso.com.br / lume.ufrgs / prosa em poema / Blog da Professora Eleandra Lelli / torre da história ibérica / millarch
2 comentários:
Sempre a aprender.
Fernando Tordo, cantor e compositor português, 50 anos de carreira. Actualmente a viver no Recife, onde completou 66 anos. Fantástica, esta história que envolve ilustres brasileiros e portugueses.
Fernando Tordo
É uma honra para este blog. Ainda bem que gostou do "post". Certamente haverá outras boas histórias a partilhar. Desejamos tudo de bom para si e para a sua carreira.
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