sábado, 15 de fevereiro de 2014

Imagens e influências portuguesas na obra poética de Manuel Bandeira


Desde Camões, vê-se clara a influência lusitana na poesia brasileira – como demonstra o estudo de Gilberto Mendonça Telles (1973): "Camões e a poesia brasileira".

O poeta brasileiro Manuel Bandeira, que foi um dos maiores símbolos do modernismo brasileiro – tendo sido recitado por Ronald de Carvalho o poema “Os sapos”, em 1922, na conhecidíssima semana de arte moderna, terá sido aquele em que, nas palavras de Jorge de Sena, esse "veio profundo foi mais permanente".

É aliás inegável a profunda influência da poesia lusa em Manuel Bandeira. O próprio refere Camões, António Nobre, Eugénio de Castro, como tendo feito parte da sua formação e das suas fontes inspiradoras.


Manuel Bandeira reconheceu, no seu “Itinerário de Pasárgada” (1954), a enorme influência que a literatura portuguesa teve na sua formação e na criação da sua obra poética; não só Camões, cuja lírica lamentou ter apenas descoberto tardiamente: “o gosto que tomei a Camões, cujos principais episódios de “Os Lusíadas” sabia de cor (…). O que ainda hoje lamento é não ter tomado então conhecimento da lírica do maior poeta de nosso idioma.

Do Camões lírico apenas sabia o que vinha nas antologias escolares”, mas todos os outros com os quais manteve sempre estreitos laços, mesmo nos tempos mais radicais do primeiro modernismo brasileiro.


O biógrafo brasileiro de Pessoa, José Paulo Cavalcanti Filho , na sua monumental obra "Fernando Pessoa, uma quase autobiografia", além de aproximar o poeta português dos leitores brasileiros, estreita os laços entre o escritor lusitano e os poetas modernistas do Brasil, como Vinícius, Drummond e Bandeira – realçando semelhanças nos versos e nos temas.

Ao assumir as influências lusitanas, Manuel Bandeira não trai o ideal de uma cultura autenticamente brasileira, talvez, por entender que elas devem ser tomadas, juntamente com as indígenas e africanas, como fonte para construção de nossa identidade. O poeta em questão, ao se posicionar de maneira mais flexível e à margem do movimento, acaba por não se contradizer como acontece com a maioria dos modernistas de 22.

Livro de Gilberto Mendonça Telles (1973)

"A Camões"

Quando n’alma pesar de tua raça
A névoa da apagada e vil tristeza
Busque ela sempre a glória que não passa,
Em teu poema de heroísmo e de Beleza.

Gênio purificado na desgraça,
Tu resumiste em ti toda a grandeza:
Poeta e soldado... Em ti brilhou sem jaça
O amor da grande pátria portuguesa.

E enquanto o fero canto ecoar na mente
Da estirpe que em perigos sublimados
Plantou a cruz em cada continente

Não morrerá sem poetas nem soldados
A língua em que cantaste rudemente
As armas e os barões assinalados.

O soneto “A Camões” está presente no primeiro livro de Manuel Bandeira, "A cinza das horas" (1917). Para esta homenagem a Camões, o autor utiliza-se da intertextualidade , tão em voga na poesia moderna e muito frequente em Manuel Bandeira, e dela vai se servir para reescrever outras tantas formas clássicas, atitude que podemos entender como mais uma maneira do poeta de cultivar e preservar a tradição.



Em "Mafuá do malungo" (1948) aparecem três outras referências ao poeta: nas poesias “Portugal, meu avozinho” e “Improviso”; e em “Ad Instar Delphini”, invocando o poeta: “Camões, valei-me! Adamastor, Magriço”.

 É importante acrescentar que Camões, ao contrário do que se podia esperar, foi homenageado pela maioria dos poetas modernistas brasileiros, acerca da presença de Camões no Modernismo brasileiro, Gilberto M. Teles diz o seguinte: “Tinha-se a impressão de que o Modernismo ia também combater Camões, que trazia para a época dupla conotação de passado: o da Literatura e o do colonialismo português.

Mas a surpresa é que, com excepção apenas do actualíssimo João Cabral de Melo Neto (...), todos os poetas modernistas pagaram seu tributo à obras de Camões, transformando-a, lírica e épica, em temas de poesia e através de alusões, paráfrases, parábolas, através de todas as formas de referência, procuraram homenagear Camões (...).” e explica tal ocorrência pelo fato de que entendiam “que Camões estava acima dos nacionalismos e das ideologias de esquerda ou de direita. (...) Camões é sentido como génio, autor universal, e podia, portanto ser festejado sem isso implicar “colonialismo literário” (...).”

Viagem de 1957 de Craveiro Lopes ao Brasil (1)

"Craveiro dá-me uma rosa"

Craveiro, dá-me uma rosa!
Mas não qualquer, General:
Que eu quero, Craveiro, a rosa
Mais linda de Portugal!

Não me dês rosa de sal.
Não me dês rosa de azar.
Não me dês, Craveiro, rosa
Dos jardins de Salazar!
A Portugal mando um cravo.
Mas não qualquer, General:
Mando o cravo mais bonito
Da minha terra natal!

Este é outro poema presente no "Mafuá do malungo" e em que Manuel Bandeira dirige-se ao General Craveiro Lopes, quando este visitou o Brasil, referindo-se à falta de liberdade que imperava em Portugal .

Viagem de 1957 (2)

Tal qual “Portugal, meu avozinho” o poema acima é desenvolvido em redondilhas maiores e dividido em quartetos. Além das coincidências formais, em “Craveiro, dá-me uma rosa”, o poeta sugere um vínculo entre os dois países, através da troca cultural, “a rosa” pelo “cravo”, que por serem caracterizados pela beleza, podem simbolizar as artes.

Enfim, um elo de amizade e cultura entre dois países irmãos que só pode estabelecer-se pelas vias culturais e jamais pela política obscurantista de então, que, pela sua miopia, só visam ao progresso alicerçado em ideais estéreis, chegando, como se pode constatar hoje, a lugar nenhum.


"Improviso"

Glória aos poetas de Portugal.
Glória a D. Dinis. Glória a Gil
Vicente. Glória a Camões. Glória
a Bocage, a Garret, a João
de Deus (mas todos são de Deus,
e há um santo; Antero de Quental).
Glória a Junqueiro. Glória ao sempre
Verde Cesário. Glória a Antônio
Nobre. Glória a Eugênio de Castro.
A Pessoa e seus heterônimos.
A Camilo Pessanha. Glória
a tantos mais, a todos mais.
- Glória a Teixeira de Pascoais.

Tomamos como ponto de partida o poema “Improviso”, também do livro "Mafuá do malungo". O poema composto em octossílabos, -empregados na poesia cortesã da Idade Média e calcada em moldes provençais, “que até meados do século findo, e ainda depois, os poetas de Portugal e do Brasil geralmente não o consideraram digno de ser contemplado em suas composições.”- , cujo título “Improviso” remete ao gênero largamente praticado na Idade Média sob a forma de epigramas, madrigais e quadrinhas musicadas.

Manuel Bandeira para saudar os poetas portugueses, utilizou-se de uma estrutura clássica com o mesmo despojamento com que se utilizava dos versos livres, o que se verifica nos dois poemas citados e como se verificará nos três próximos poemas.

Em seu “Improviso”, o poeta faz referência a alguns dos principais nomes da Literatura Portuguesa de todos os tempos. Seguindo a ordem cronológica, glorifica e coloca em um plano divino os poetas reconhecidos como ícones, dos quais não só literatos portugueses, como também os brasileiros, receberam e recebem influências.


"A Antônio Nobre"

Tu que penaste tanto e em cujo canto
Há a ingenuidade santa do menino;
Que amaste os choupos, o dobrar do sino,
E cujo pranto faz correr o pranto:
Com que magoado olhar, magoado espanto

Revejo em teu destino o meu destino!
Essa dor de tossir bebendo o ar fino,
A esmorecer e desejando tanto...

Mas tu dormiste em paz como as crianças.
Sorriu a Glória às tuas esperanças
E beijou-te na boca... O lindo som!

Quem me dará o beijo que cobiço?
Foste conde aos vinte anos... Eu, nem isso...

Eu, não terei a Glória... nem fui bom.

"A Antônio Nobre” é outro soneto do livro "A cinza das horas", em que também podemos observar a intertextualidade. Há uma referência clara de Manuel Bandeira ao segundo terceto do soneto formado de decassílabos, sem título, presente no capítulo “Sonetos - 3”, da única obra de Antônio Nobre, Só; a estrofe é a seguinte: “O meu Condado, o meu condado, sim!/ Porque eu já fui um poderoso Conde,/ Naquela idade em que se é conde assim...” .


Massaud Moisés faz as seguintes observações acerca de “A Antonio Nobre”: “de silhueta Parnasiano Simbolista, e fruto da coincidência entre a moléstia de Manuel Bandeira e do poeta português, traduz uma predileção estética da juventude, a poesia de Manuel Bandeira constitui uma espécie de diário íntimo, registro lírico dum dia-a-dia em que a arte era o prato obrigatório.” Aqui, mais uma vez, podemos constatar a influência de um poeta lusitano, Antonio Nobre é uma constante na obra de Manuel Bandeira, verificáveis em seu coloquialismo e penumbrismo .

Em “A Antonio Nobre”, Manuel Bandeira expressa sua homenagem ao poeta que o emociona “E cujo pranto faz correr o pranto”, e com quem se identifica “Revejo em teu destino o meu destino!”; porém a “Glória” de ter morrido ainda jovem não “sorriu” a Manuel Bandeira, que lamenta, com sua habitual modéstia, não ter tido a mesma sorte, nem o mesmo talento: “Eu, não terei a Glória.nem fui bom.”


Jaime Cortesão

Honra ao que, bom português,
Baniram do seu torrão:
Ninguém mais que ele cortês,
Ninguém menos cortesão.

Para finalizar a presente exposição sobre as homenagens de Manuel Bandeira a poetas portugueses, temos uma quadrinha em redondilhas maiores que o poeta dedica a Jaime Cortesão, presente em "Mafuá do malungo". (...)

Fontes/Mais informações: Blog da Professora Eleandra Lelli (texto principal) /  "Camões e a Poesia Brasileira" de Gilberto Mendonça Teles / Tese de Maria da Natividade Esteves Gonçalves / Felipe Garcia de Medeiros

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