quarta-feira, 4 de maio de 2011

Lisboa como cidade de Espionagem Internacional em "Uma noite em Lisboa” de Edward H. Griffith (1941)

Com a posição de neutralidade de Portugal na Segunda Guerra Mundial, Lisboa ganhou uma nova imagem - a de cidade de espionagem internacional e de diplomacia mundial.

As primeiras produções de Hollywood que usam Lisboa no seu título, apresentam a cidade com uma mistura de clichés tardo-orientalistas, de cosmopolitismo e de atraso próprio dos estereótipos associados ao mundo ibérico e ibero-americano.

É no entanto surpreendente o esforço aplicado na reconstituição de alguns espaços e edifícios da cidade e dos seus arredores. A imagem de cidade misteriosa, com caves de vinho e impregnada de música nostálgica marcará futuras produções cinematográficas internacionais sobre Lisboa e sobre Portugal.

Contexto

“Uma noite em Lisboa” foi estreado em Maio de 1941 (sete meses antes da entrada dos Estados Unidos na Guerra), sendo o guião baseado na peça de teatro “There’s Always a Juliet” de John Van Druten.

Antes de ser adaptada a cinema, a obra tinha obtido já um grande sucesso no teatro no inicio da década de 30. O filme foi adaptado ao contexto bélico e propagandístico do momento, pelo que acabou por ter pouco a ver com a peça de teatro.

Sinopse

No filme, a dinâmica da história leva os três protagonistas a Lisboa, onde Leonora Pettycote (Madeleine Carroll), motorista voluntária do ministro da guerra inglês deverá entregar uma mensagem ao embaixador britânico.

O comandante Peter Walmsley (John Loder) e o norte-americano Dwight Houston (interpretado por Fred MacMurray) acabam por a salvar de um rapto perpetrado pelos serviços secretos alemães que tentam capturar a mensagem.

O texto da missiva é também altamente simbólico:"Of all forms of caution, caution in love is the most fatal", numa alusão indirecta à importância que os E.U.A. deveriam dar à escolha dos seus aliados no caso de entrarem na Guerra.

Em linhas gerais o que se mantém na transferência do teatro para o cinema é o amor entre uma inglesa e um americano cosmopolita, as diferenças nas atitudes amorosas entre a púdica inglesa e o desinibido americano, simbolicamente a atracção de aliança entre a Grã-Bretanha e os EUA.



Recriação de Lisboa

Reconstruída em estúdio não tem nada que ver com a Lisboa real, mas transmite uma impressão simultaneamente idílica e quase tropical. Algumas ruas de Lisboa quase que se assemelham com ladeiras do Funchal.

Lisboa só é vista à luz do dia a partir de imagens retiradas de documentários da época.

Lisboa é dada a conhecer numa primeira e fugitiva imagem aérea que mostra os embarcadouros do Tejo e a Praça do Rossio. Segue-se uma vista panorâmica de Lisboa em que Dwight a Leonora observam antes de entrar no hotel em que ficam hospedados.

A referência ao vinho está presente nas cenas “underground” ambientadas em caves repletas de barris. No clube nocturno uma música melancólica que se assemelha a algo parecido com o fado pretende constituir mais uma nota identitária.

Imagem de Lisboa

As visões da cidade que são oferecidas ao espectador são de dois tipos. Uma primeira consiste no enunciar das ideias pré-concebidas que o guionista pensava serem as que os americanos e ingleses tinham de Lisboa.

Um segundo tipo de impressões são outras que se obtêm através da acção que supostamente decorre em Lisboa. Por outras palavras, o guião é estruturado de forma a “corrigir” em parte as imagens construídas que americanos e ingleses tinham sobre Lisboa.

A primeira ideia de Lisboa é colocada na “boca” de Florence, a velha criada de Leonora. Ela representa a inglesa que nunca tinha viajado e que conhecia o mundo através do prisma victoriano.

Quando Leonora pergunta: "Com que se parece Portugal ?”, Florence responde "Produzem vinho e as mulheres fazem todo o trabalho. Mas deve ser muito bonito. Ouvi dizer que não é muito moderno. O Sol tem muita importancia. Não devo gostar disso”.

Imagem politicamente correcta

O filme pretende oferecer obviamente uma imagem politicamente correcta de Portugal e de Lisboa. Praticamente em nenhum momento se chama a atenção para situações de atraso civilizacional, a não ser um carro puxado por um cavalo e outro por uma parelha de bois com a sua canga.

Em Lisboa, pode-se passar um romântico fim-de-semana, chegar e partir em avião. Os hoteis são bons (poucos para a quantidade de pessoas que chegam à cidade), os clubes nocturnos ao nível dos melhores da Europa. Nas palavras de Dwight : “Portugal is a country still at peace with people having fun and still laughing. Bright sun and blue sea. Great castles made of tiles looking like jewels”.

Curiosidade

Como os Estados Unidos ainda não tinham entrado na Guerra, as mensagens são de solidariedade com os sofrimentos causados com os bombardeamentos de Londres e de ajuda pronta dos Estados Unidos. O protagonista americano ajuda apenas a protagonista inglesa a resistir aos alemães.

A polícia portuguesa não parece imiscuir-se nas actividades dos vários representantes das nações em conflito.

Não aparece um único actor português. Só o taxista pronuncia um "Sim senhor" em verdadeiro português.

Nem a cantora de fado é portuguesa, sendo interpretada por Antoinette Valdez.

O actor franco-romeno Marcel Dalio, recepcionista do hotel em “One night in Lisbon” será o croupier de “Casablanca” (1942).

Participaram igualmente outros actores europeus de prestígio como os ingleses Edmund Gwenn e Dame May Whitty.

Fontes/Mais informaçoes: Dr. João Mascarenhas Mateus, “Uma Cidade de Espionagem Internacional. Lisboa segundo Hollywood” (adaptado) / TCM / Allmovie

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