quinta-feira, 23 de setembro de 2010

"Camöens (Before)" e "Camöens in the Hospital (After)" de Herman Melville

“A frequente sugestão de que o épico "Moby Dick" não teria sido o mesmo se Herman Melville não tivesse lido os Lusíadas e a evocação em "White-Jacket" (“for the last time, hear Camoens, boys!”) seriam indícios suficientes do apreço de Melville pelos portugueses se não tivesse também dedicado dois sonetos ao autor do épico lusitano.

"Camöens (Before)" e "Camöens in the Hospital (After)" é um díptico poético sobre o processo de escrever, que, oscilando entre Tasso e Camões, Melville decidiu-se pela identificação com o poeta português.

Admirador de Camões, Melville lera os Lusíadas na tradução de William Mickle ("The Lusiad; or the Discovery of India", 1776) assim como os poemas de Camões traduzidos por Lord Viscount Strangford ("Poems, From the Portuguese of Luis de Camoens", 1803).

A presença camoniana em Melville e os paralelismos intertextuais e pessoais entre ambos há muito têm sido objeto de estudo em meios acadêmicos; considerem-se, a este propósito, as referências feitas por George Monteiro em “Melville’s Camões and the Figure of the Artist”, posteriormente desenvolvidas em seu livro "The Presence of Camões: Influences on the Literature of England, America, and Southern Africa".

Monteiro mostra um longo percurso de estudos sobre a conexão de Melville com Camões, encontrando já em 1924 um estudo de Merritt Y. Hughes associando a baleia branca com o gigante Adamastor.


Os dois sonetos a que a professora Irene Hirsch se refere em "Melville e os portugueses" foram traduzidos com esmero por Nelson Ascher e se encontram no seu Poesia Alheia (Imago, 1998).

Hei-los, na tradução e no original:

1. Camões (Antes)

Devo – incansável que descansaria –
sempre atiçar meu fogo? Não tem fim
o afã que, chama em chamas, arde em mim?
Sim, porque o Deus requer tua porfia.
O mundo exibe tal beleza, enquanto
mais mundos sonha a mente: vai, portanto,
caçar mil temas no ar para o teu canto.
E atiça, atiça o fogo até que, enfim,
comprove, acrisolado, o ouro sem par,
que o fogo é luz, mas sabe depurar.
Com árduo ardor, nobre vigor, ateia,
no alto mais alto, a chama epopéia.

1. Camöens (Before)

Ever restless, restless, craving rest –
Forever must I fan this fire,
Forever in flame on flame aspire?
Yea, for the God demands thy best.
The world with endless beauty teems,
And thought evokes new worlds of dreams:
Hunt then the flying herds of themes!
And fan, yet fan thy fervid fire,
Until the crucible gold shall show
That fire can purge as well as glow.
In ordered ardor, nobly strong,
Flame to the height of epic song.

2. Camões no hospital (Depois)

De que vale – cortejo triunfante
de armas, troféus e música o teu verso?
O mundo é vil; há quem, no entanto, cante
que o fado do mais nobre é sempre adverso.
Inúteis já, teu fogo e ardor contínuo
reduzem-se a delírio e desatino:
rasgou-te a lira, o gume do destino.
Exausto da exigente trova, agora
te tornas presa fácil da pletora
de enganos traiçoeiros e do engodo;
mas quem finge virtude e os trama é gente
que ainda preserva num lugar prudente,
a força e diz viver mais dignamente
servindo em tudo a Deus no melhor modo.

2. Camöens in the Hospital (After)

What now avails the pageant verse,
Trophies and arms with music borne?
Base is the world; and some rehearse
How noblest meet ignoble scorn.
Vain now the ardor, vain thy fire,
Delirium mere, unsound desire:
Fate’s knife hath ripped thy chorded lyre.
Exhausted by the exacting lay,
Thou dost but fall a surer pray
To vile and guile ill understood;
While they who work them, fair in face,
Still keep their strength in prudent place,
And claim they worthier run life’s race,
Serving high God with useful good.
“Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundal-a decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.”

Fonte: Tácito Costa (adaptado de "Substantivo Plural")

1 comentário:

Blogger disse...

http://en.wikipedia.org/wiki/Roy_Campbell_%28poet%29

viveu em Portugal (1952-1957)

Adamastor. (1930)
Portugal. (1957)