segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Amália na banda sonora de "Lulu on the Bridge" (1998)


A poucos minutos do final de "Lulu On The Bridge" [realizado pelo escritor e cineasta Paul Auster], ouve-se a voz de Amália Rodrigues que, em "Estranha Forma de Vida", canta "foi por vontade de Deus".

É, talvez, esse o momento crucial do filme onde imagens e banda sonora conspiram para, subliminarmente, revelar a chave desta parábola sobre a possibilidade do milagre (e a improbabilidade de ele ocorrer), os universos perpendiculares, o corpo das mulheres, a luz dos pirilampos na noite, Deus como "trickster" imprevisível e a inexorabilidade do destino, isto é, o fado.

Não haverá muitas dúvidas de que Paul Auster desejou que essa chave permanecesse semi-oculta. É preciso escutar com muita atenção a voz de Amália (em fundo, sob o diálogo), é necessário compreender o que ela canta (e o idioma português não é propriamente um esperanto universal) tal como é indispensável conhecer o que o fado significa.

Mas esse indício — tal como aquele outro fugaz plano em que Harvey Keitel passa junto a uma parede onde, num graffito, se lê "Beware of God" — é apenas um dos vários que Paul Auster dissemina pelo filme para que, quem os souber interpretar, se vá aproximando, a pouco e pouco, dessa modalidade de leitura do mundo como um jogo de acasos irremediavelmente (des)comandado por uma absurda força maior. É nessa exacta medida que "Lulu On The Bridge" pode ser considerado um filme-musical: o seu segredo dissimula-se sob o disfarce cifrado de uma "mera" música incidental.

Fonte: João Lisboa

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