sexta-feira, 15 de março de 2019

A influência Portuguesa no Teatro Brasileiro e as Rotas de Teatro entre Portugal e Brasil


O teatro brasileiro foi construído a partir da presença de actores portugueses, que abundaram nos palcos brasileiros até as primeiras décadas do século XX. Actores como Furtado Coelho, Lucinda Simões, Cristiano de Sousa, José Ricardo, Palmira Bastos, Adelina Abranches, Chaby Pinheiro, empresários como Sousa Bastos e Visconde de São Luís Braga, sentiam-se tão à vontade no Rio de Janeiro quanto em Lisboa, “repartindo fraternalmente as suas temporadas entre os dois países”.

O público de Lisboa não era suficiente para justificar mais de quatro dias de espectáculo por semana, pelo que as digressões ao Porto e ao Brasil se tornavam uma importante fonte de rendimento.

Lucinda Simões e Furtado Coelho

Cláudia Sales Oliveira escreveu um artigo acerca das digressões de actores portugueses no Brasil, durante os séculos XIX e XX. Utilizando relatos de actores como Lucinda Simões (que foi casada com Furtado Coelho), Eduardo Brasão, Adelina Abranches, entre outros, a autora comenta que um dos possíveis motivos para essas temporadas em outro país era o excesso de oferta de peças de declamação em Portugal, que não atraíam um grande público.

Além disso, a temporada teatral dos principais teatros de Lisboa (D. Maria II, Ginásio, Príncipe Real e D. Amélia) acabava em maio, só retornando em outubro. Nesse "meio tempo", os actores se juntavam em outros trabalhos, inclusive nas viagens para o Brasil, com elencos diferentes e apresentando seu “capital” que eram os repertórios.

Ainda em 1921, o "Jornal das Moças" referia a existência de concorrência desleal por parte das companhias estrangeiras:  "Como se sabe essas 'troupes' [estrangeiras] têm a despesa muito menor que as nacionais, pois trazem as suas peças montadas e o seu guarda-roupa feito, o que não acontece com as nossas que são obrigadas à despesa dos cenários, roupas e adereços. E o que é interessante é que as nossas companhias, com a despesa muito maior, pagam os mesmos impostos que as estrangeiras".

Eduardo Brazão


Eduardo Brazão, um dos mais importantes actores portugueses da segunda metade do Séc. XIX, actuou pela primeira vez no Brasil em 1870, país onde ganharia enorme prestígio e se deslocaria regularmente ao longo dos anos.

A convite de Furtado Coelho, actuou no Rio de Janeiro, no Theatro de Furtado Coelho, durante 10 meses ao lado de Emília Adelaide, fazendo, entre outras peças, a "Calumnia", "Capitão Montambuche", "Jogo", "Mocidade de Fígaro", "Pupílas do Senhor Reitor" e "Cornélio Guerra".

No Outono de 1876, Eduardo Brazão volta ao Brasil, sendo convidado a ir a Pernambuco com Joaquim de Almeida, representar na Companhia da actriz brasileira Isménia dos Santos. Posteriormente seguiu viagem para o Rio de Janeiro, onde trabalhou na empresa de José António do Vale.



O actor é novamente convidado para actuar no Brasil em Junho de 1879, numa companhia de Pernambuco. Levando consigo o "Kean", de Alexandre Dumas, bem como "Os Fidalgos da Casa Mourisca" de Júlio Dinis e a "Morgadinha de Val'Flor" de Pinho Chagas. Seguiram-se representações no Pará (Teatro da Paz) e no Maranhão.
Regressa ao Brasil em 1880, obtendo um grande sucesso quer no Rio de Janeiro, quer em Campinas, Santos e São Paulo, onde a crítica o crisma de actor moderno.

A Eduardo Brazão se deve a representação em português das tragédias de Shakespeare, que assim podem ser apreciadas pelo público menos instruído, visto que, até essa altura, só eram exibidas em Portugal e no Brasil por Companhias estrangeiras.


José António Vale (actor Valle)



Foi ao Brasil e representou no Rio de Janeiro, no teatro de S. Luiz, de que era empresário Furtado Coelho, nas comédias "O Mestre Jerónimo" e "Quem o feio ama". Agradou imenso, recebendo fartos aplausos, ganhando logo as maiores simpatias. Obteve um sucesso no papel de Vasco da mágica "A Pera de Satanás".

Não tardou, que se tornasse empresário, e tanto se insinuou no meio teatral, que era ele quem "dava leis" a todos os teatros do Rio de Janeiro. Foi ele quem levou para ali a actriz Ana Cardoso, os actores Silva Pereira, Silveira e outros.

Percorreu com a sua companhia todo o Brasil, estando em S. Paulo, Santos, Campinas, Rio Grande do Sul, etc., sendo sempre muito aplaudido.

Estreou no Brasil o género dramático, representando o "Paralítico", o "Centenário", e a "Criança de 90 anos". Chegou-lhe depois a hora da adversidade, o que ordinariamente sucede a todos os empresários, e Vale resolveu voltar a Lisboa.

Emília Adelaide Pimentel


O acontecimento artístico mais importante da temporada de 1877-1878, em São Paulo, foi a vinda da Companhia Dramática Portuguesa, dirigida pela empresária Emília Adelaide , uma das actrizes mais importantes de Portugal e que actuou no Brasil ao lado de Eduardo Brazão, que se preocupava em apresentar ao público um repertório de nada menos que cinquenta peças da dramaturgia francesa, italiana e, evidentemente, portuguesa. Como exemplo, pode-se citar "A filha do ar", de Eduardo Garrido, de longe o autor mais encenado nos palcos de São Paulo no século XIX.

Foi em 1912 no Teatro São José, do italiano Pascoal Segreto, que se estreou “Forrobodó”, a “burleta” de Luís Peixoto e Carlos Bettencourt, com música de Chiquinha Gonzaga. O espectáculo foi um marco divisor de águas para o teatro brasileiro: a partir daí, a linguagem popular brasileira entrou em cena. Nos palcos brasileiros, até então, falava-se com acento português para plateias habituadas a esta prosódia (forma de falar).

Leopoldo Froes


O palco brasileiro passou a adquirir fisionomia própria, por volta de 1914, “servindo Leopoldo Froes, que se fizera actor ainda em Portugal, de elo entre o velho teatro luso-brasileiro e o novo teatro mais caracteristicamente nacional que se pretendia formar.”

A colaboração com elencos portugueses, o sotaque, a boa colocação dos pronomes, a maneira de vestir e a nostalgia fizeram com que Fróes fosse considerado por Alcântara Machado mais actor português que brasileiro.

A actriz Fernanda Montenegro sempre afirmou que era de uma geração influenciada pelos actores portugueses. "Havia uma escola em que marcações e diálogos obedeciam às regras usadas em Portugal, sendo até a pronúncia portuguesa imposta a quem seguisse uma carreira de teatro no Brasil".

Empreza Theatral José Loureiro  



O Rio de Janeiro recebe frequentemente companhias artísticas portuguesas, italianas, francesas e espanholas. Actuando no mercado teatral carioca desde 1913, o empresário português José Loureiro (1880-1949) torna-se o grande agente das companhias portuguesas nessa época.

Em 1924, só no Rio de Janeiro, estão sob sua tutela três teatros: o Lírico, o Palácio e o República que apresentam espectáculos dos mais variados géneros, como teatro declamado, ópera, opereta, revistas e "vaudevilles".

Em dada altura, José Loureiro, associado a Walter Mochi e a Faustino da Rosa, tinha em exploração dezassete teatros da América do Sul, por onde passaram as melhores companhias teatrais Portuguesas. Dentro de Portugal, ficaram célebres as suas colaborações com Chaby Pinheiro e Beatriz Costa e os grandes espectáculos da Companhia Velasco e da Companhia Ba-Ta-Clan.



Exemplos de Peças de teatro de autores portugueses (1926-1968)

Os documentos do Arquivo Miroel Silveira, referentes à censura prévia ao teatro no Estado de São Paulo entre 1926 e 1968, fornecem um panorama da influência portuguesa no teatro de São Paulo durante a primeira metade do século XX, a qual se revela em peças de teatro de 127 autores lusitanos, a maioria das quais foi encenada na década de 30 por companhias amadoras e profissionais de Portugal e do Brasil.

a) Autores clássicos da literatura portuguesa de várias épocas, como Gil Vicente, Antônio José da Silva, o Judeu, Antônio Ferreira, Almeida Garrett, Júlio Dinis são encenados principalmente por grupos amadores e estudantis.

b) Autores contemporâneos como João Bastos, Luiz Galhardo, Dom João da Câmara. Este grupo é o mais numeroso e encenado por companhias profissionais, amadoras e de circo-teatro, principalmente nas décadas de 30 e 40 do século passado.

c) Autores que emigraram para o Brasil. São casos como o de Chianca de Garcia, que já era cineasta e dramaturgo em Portugal, mas se radicou no Brasil, ou o de Eurico Silva, que imigrou ainda criança e só depois entrou para a carreira artística, através da companhia de Procópio Ferreira, tornando-se um prolífico autor de teatro, com 33 processos em seu nome no Arquivo Miroel Silveira, além de guionista de rádio e cinema.

Fontes/Mais informações:  "A dramaturgia Portuguesa" nos Palcos Paulistanos" de Edson Santos Silva  / Ângela de Castro Reis (1) / Enciclopédia Itaú Cultural  / "Portugueses do Brasil e Brasileiros de Portugal" de Leonor Xavier / "Rotas de Teatro - Entre Portugal e Brasil" de  Maria Helena Werneck e Ângela de Castro Reis / "Dicionário do Cinema Português 1895-1961" de Jorge Leitão de Barros  / "Teatro Português nos Palcos e Jornais Brasileiros: censura e crítica" de José Ismar Petrola Jorge Filho / "Teatro de Revista em Trânsito" de Marilda Santana/ wikipedia (José Loureiro / Eduardo Brazão / ...) / "Ribaltas e Gambiarras" (Eduardo Brazão) / Homenagem a Eduardo Brazão / "As digressões ao Brasil nas memórias de actores portugueses (sécs. XIX-XX)" (por Claudia Sales Oliveira) (1) /  "Carteira do Artista" de Souza Bastos / Arqnet (José António do Vale ) /
"Brasil  & Portugal: teatro, música, artistas e tal" de Thais Matarazzo (1) / "Artistas de Outras Eras" de Lafayette da Silva

Outros actores: Adelaide do Amaral, Amélia Vieira, Eugênia Câmara, Maria Velutti (1), Medina de Sousa, Mercedes Blasco (1), Rosa Damasceno, Virgínia


Adelina Abranches como brasileira

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