quinta-feira, 15 de março de 2012

Gerrit Komrij: de Trás-os-montes até Vila Pouca

Gerrit Komrij, escritor e poeta holandês, estava farto da vida literária e das suas obrigações e decidiu emigrar para um país longínquo. Isso foi em 1984 e o país mais longínquo que podia imaginar nessa altura foi Portugal.

Com o seu companheiro, foram à procura de isolamento numa aldeia afastada de Trás-os-montes (Alvites). Foram cinco anos dramáticos (entre 1984 e 1988) e não tardou que entrassem em conflito com os poderes locais. Estes cinco anos resultaram no romance "Atrás dos Montes".

Agora vivem na Beira (Vila Pouca da Beira, Oliveira do Hospiyal), também num sítio isolado, mas um pouco mais perto da "civilização", isto é, mais perto de uma livraria, presença essencial a Gerrit Komrij, que colecciona livros desde os seus 15 anos. Diz que são mais humanos do que os seres humanos. E aqui começou devagar a sentir-se em casa, aprendeu a língua, teve, como diz, o privilégio de conhecer uma literatura.


"Atrás dos Montes" (1990)

“Atrás dos Montes” (“Over de Bergen”) é a história de um jovem em busca das suas raízes.

Pedro Sousa e Silva, farto da vida de “jet set” de Lisboa, chega à terra dos seus sonhos, na província mais distante e mais isolada do país, para se instalar no imponente solar abandonado que os seus antepassados habitaram outrora. (...)

A sua existência parece predestinada a uma vida serena de prazeres simples. Mas não tarda que por detrás da fachada exótica se descubra uma sociedade baseada na desconfiança e no terror. À volta da velha casa estala uma guerra sem tréguas. O isolamento transforma-se numa prisão. Confrontado com uma comunidade onde nada mudou após a queda do regime totalitário, Pedro é obrigado a ceder.


Até mais logo ... (uma estória interessante)

Em "Atrás dos Montes", Gerrit fala da exuberância da paisagem, da hospitalidade nacional, da qualidade de vida e de um episódio delicioso que revela porque se cansam tanto os portugueses com a verdade.

Komrij tinha acabado de se instalar na sua quinta, em Alvites, e resolveu descer à aldeia para conhecer os habitantes. A simpatia local esmagou-o, mas regressou a casa em pânico, dizendo ao seu companheiro: "Todos se despediram dizendo 'até mais logo', deve ser tradição da terra. No final da tarde aparecem-nos aí".

Prepararam então o jardim para receber a aldeia. Esperaram, esperaram, mas ninguém apareceu. Komrij levou algum tempo a descodificar este desligamento entre o que se diz e o que se faz - mas percebeu a simplicidade: é só uma forma educada de adiar um problema.


"Um almoço de negócios em Sintra" (1996), colectânea de crónicas sobre Portugal

Todas as semanas escreve uma crónica sobre a sua aldeia portuguesa para um jornal holandês - onde satiriza sobre tudo e todos.

"Um Almoço de Negócios em Sintra" é um retrato em corpo inteiro de Portugal e dos portugueses. Um retrato solícito e inteligente, que anda tão perto do enternecimento como da provocação. Os nossos defeitos, de tão próprios, acabam por parecer virtudes. E as nossas patentes qualidades têm, afinal, a mais peculiar das marcas.

"Um Almoço de Negócios em Sintra" é, assim, para os portugueses, um livro frontal, aqui e além incómodo, mas sempre revelador.


"Vila Pouca, Contos Portugueses" (2009)

De 1984 a 1988, Komrij viveu em Alvites, Trás-os-Montes, uma vivência que inspirou o seu primeiro romance Over de bergen (Atrás dos Montes, 1990). Desde 1988 vive em Vila Pouca da Beira, que retratou em "Vila Pouca, Portugese verhalen".


Libretto de "Melodias Estranhas" (2001)

A ópera "Melodias Estranhas" é uma co-produção bilingue luso-flamenga, com música de António Chagas Rosa e libreto do holandês Gerrit Komrij, para as duas Capitais Europeias da Cultura de 2001 (Roterdão e Porto).

A ópera é centrada nas personagens de Erasmo de Roterdão e Damião de Góis que, há 500 anos atrás, construíram uma amizade a partir da recusa mútua pelo fanatismo religioso.


"Nós por eles" (RTP 2)

“Está no meu carácter ver o lado ridículo das pessoas e escrever sátiras sobre eles, mas, claro, estou consciente do facto que estou a viver num país onde sou um hóspede e os portugueses são muitíssimo generosos em me acolher, portanto não posso ser demasiado crítico.”

“(…) numa outra língua, a dois mil quilómetros de distância, escrevo de uma maneira muito simpática sobre o que acontece nesta pequena aldeia por baixo da superfície.”

“Quando eu ficar absolutamente maluco, então, não sei onde me vão pôr (…) Mas enquanto tenho o destino em minhas próprias mãos vou ficar aqui. Sim, acho que vou morrer aqui. O cemitério é mesmo ao lado, portanto a viagem será curta.“

Fontes: Programa “Nós por eles” (RTP 2) / wikipedia / ritualmente / ilcml / dornes / Expresso

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