O Dr. José Miguel Júdice, proprietário do Hotel Quinta das Lágrimas, onde se encontra a Fonte dos Amores, citada na letra da canção "Coimbra", tinha o sonho (desde que ouvira um pianista em Hong Kong a tocar a canção) de saber quais foram os intérpretes que cantaram o tema com letra de José Galhardo e música de Raul Ferrão.
José Moças, da Tradisom, aceitou o desafio de José Miguel Júdice, tendo encontrado cerca de 200 versões da canção de onde seleccionou 24 para a edição de um CD e um livro de 80 páginas sobre a canção e os vários intérpretes.
O disco reúne um leque abrangente de interpretações da canção de Ferrão nas vozes de Amália (que a canta aqui em italiano), Alberto Ribeiro, Caetano Veloso, Eartha Kitt, Bing Crosby, Yvette Giraud, a voz e o trompete de Louis Armstrong, a orquestra de Xavier Cugat, o piano de Liberace, a guitarra de Chet Atkins, o Coro dos Antigos Orfeonistas de Coimbra, os sinos do carrilhão setecentista de Mafra e os steel drums das Caraíbas, tocados por crianças em Inglaterra.
Apesar da maior parte das versões se reportar aos anos 50 e 60, os mentores do projecto recusam que seja uma canção fechada num tempo ou conotada com uma geração.
Entre Louis Armstrong, que abre o alinhamento, e o Coro dos Antigos Orfeanistas de Coimbra, a encerrar, cabe muita coisa.
Chamemos-lhe "easy listening", das vozes encorpadas de barítonos que viveram "os dias da rádio" no seu esplendor à euforia dos ritmos latinos que contagiaram a música americana nos anos 30 e 40.
"Coimbra" seguiu a tendência, dispondo-se a um sem-número de roupagens: swingante (e chique, chique) na versão do compositor e maestro alemão Bert Kaempfert à frente de uma banda de metais, gravada em 1959; com um travo "dixie", à la Django Reinhardt, segundo o guitarrista argentino Oscar Alemán, em 1953; na apropriação, oh tão deliciosamente pirosa, pelo mambo do cantor portoriquenho Bobby Capó, em 1953.
Foi "um rastilho que pegou nos anos 50", refere Maria de S. José Côrte-Real, especializada em etnomusicologia e participante activa no trabalho de campo que foi feito para o álbum.
As diferentes interpretações variam não só nos idiomas linguísticos e musicais apresentados como também na matriz da fonte sonora utilizada. "Coimbra" é uma canção portuguesa, com certeza. Mas também tem servido uma certa ideia de "chanson française", como atestam as versões de Edith Piaf ou Louis Armstrong, mas também tem sabido integrar referências hispânicas, como os sopros de evocação tauromáquica que pontuam aversão instrumental de Xavier Cugat, em 1957, um cha-cha-cha, ou as castanholas na versão calipso (e humorada, portanto) de Enoch Light, em 1961.
"Coimbra"/"Avril au Portugal"/"April in Portugal"/"Abril em Portugal" é, assim, um fenómeno de popularidade de dimensão global. Um caso de propaganda conseguido, a que não é obviamente alheia a genialidade da melodia concebida, em sábia estrutura harmónica.
01 – “April in Portugal” - Louis Armstrong (E.U.A.) - 1953
02 – “Coimbra” - Amália Rodrigues (Portugal) – gravação de 1974 do álbum “Amália in Itália” (Espanhol)
03 -“April in Portugal” - Bert Kaempfert (Alemanha) – 1959 (instrumental)
04 - “Avril au Portugal” - Eartha Kitt (E.U.A.) – gravação de 1982
05 - “April in Portugal” - Joe Quijano (Porto Rico) – 1963 (instrumental)
06 - “Coimbra” - Caetano Veloso (Brasil) - 1997
07 -“April in Portugal” - Xavier Cugat (Espanha) - 1957 (instrumental)
08 - “April in Portugal” - Bobby Capo (Porto Rico) - 1953
09 - “Coimbra” - Óscar Aleman (Argentina) – 1953 (instrumental)
10 -“April in Portugal” - Bing Crosby (E.U.A.) - 1961
11 - “Avril au Portugal” - Yvette Giraud (França) – gravação de 1957
12 -“April in Portugal” - Perez Prado (Cuba) – 1953 (instrumental)
13 - “April in Portugal” - Lambeth Community Youth Steel Orchestra (Reino Unido) - 1991 (instrumental)
14 - “Coimbra” - Ester de Abreu (Portugal/Brasil) - 1952
15 -“April in Portugal” - Vic Damone (E.U.A.) - 1953
16 -“April in Portugal” - Enoch Light (E.U.A.) - 1961 (instrumental)
17 - “April in Portugal” - Chet Atkins (E.U.A.) - gravação de 1969 (instrumental)
18 - “Abril en Portugal” - Lucho Gatica (Chile) - 1960
19 - “April in Portugal” - Liberace (E.U.A.) - 1953 (instrumental)
20 - “April in Portugal” - Tony Martin (E.U.A.) - 1953
21 - “April in Portugal” - Archie Belyer (E.U.A.) - 1962 (instrumental)
22 - “Coimbra” - Alberto Ribeiro (Portugal) - 1947
23 - “Avril au Portugal” - Jacques Lannoy (França) - 1970 (instrumental)
24 - “Coimbra” - Coro dos Antigos Orfeonistas de Coimbra (Portugal) – 2002
Todos estes intérpretes emprestaram a sua arte e o seu génio para homenagear Coimbra e Portugal. Agora é a nossa vez de o fazer, escutando estas surpreendentes e variadas versões de Coimbra.
Fontes: Tradisom / Eurico Mendes (Portuguese times) / cd roots / Kathleen Gomes (Público, suplemento Y) / António Pires (Blitz)
2 comentários:
Ah, ainda bem que surgiu este tema. Porque eu estive a inserir o alinhamento deste disco no RYM (podeis vê-lo, além de na página da Tradisom, aqui http://rateyourmusic.com/release/comp/various_artists___labels___tradisom/coimbra___april_in_portugal___avril_au_portugal/
)
e o primeiro contacto que tive com a canção (enfim, não me critiqueis...) foi através do Chico Buarque... que não está no cd. Tampouco a do Georges Moustaki... Pronto, era só isto que eu queria dizer.
Li no http://www.attambur.com/ que há mais de 200 versões da canção, por isso...
Eartha Kitt e Lisboa Antiga - http://www.rtp.pt/icmblogs/rtp/seascancoesfalassem/?k=Viajar-pela-Europa.rtp&post=46798
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